
- O que é Iniciação
Iniciar-se (popularmente no Brasil diz-se "fazer santo") é possibilitar através de rituais próprios que
o lado divino da criatura transpareça; é libertar o Deus Interior que existe em cada ser humano,
permitindo-lhe vir a tona e provocar impulso irresistível capaz de conduzir a individualidade à
realização pessoal, estabelecendo dessa maneira a mais perfeita comunhão possível com o
Universo, com a Natureza, com o Criador, enfim, com a própria Vida, em seu pulsar infinito.
Corpo físico, mente e alma são ritualisticamente preparados para componentes da manifestação
divina. Condições propícias são estabelecidas para que a memória ancestral possa florescer nos
recessos do inconsciente, produzindo muitas vezes o transe, em suas mais variadas formas e
também variados graus.
"Fazer santo" é nascer de novo, renascer como indivíduo mais forte, completo, potencialmente
seguro, com melhores condições para, ao abandonar medos, traumas ou bloqueios, lançar-se
inteiro na busca da realização pessoal.
I - 2 - Por que "fazer santo"?
Conhecer a si mesmo: pressuposto básico para a realização pessoal em todos os níveis.
Desde sua origem o ser humano anseia pelo encontro com o Infinito. Essa busca incansável
frequentemente provoca verdadeiras batalhas que são travadas no interior do indivíduo,
acompanhadas por sentimentos de angústia, ansiedade, inconformismo ou até mesmo desespero
frente ao desconhecido ou ao irremediável: as fatalidades e incertezas do amanhã, o ciclo da vida, a
morte. Todo esse processo destina-se a criação de ambiente propício ao tão sonhado encontro.
A história da humanidade espelha essa incansável busca de respostas aos enigmas da vida:
Quem sou eu? De onde venho? Para onde vou? A felicidade é perseguida por todos, sendo muitas
vezes um desejo alimentado pela incerteza: "Quero ser feliz, mas não sei bem o que é felicidade".
E o ser humano continua a colocar a própria felicidade longe de si mesmo, em circunstâncias
exteriores: dinheiro, posição, poder, fama, ou na dependência de outras pessoas: "Se ele - ou ela -
me amar, serei feliz".
Há milhares de anos, o nativo do continente africano já tinha os mesmos anseios: conhecer seu
Deus, os mistérios do Universo, a origem da Vida. Olodumárè (o Criador), em sua Graça e Poder
infinitos, permitiu-lhes conhecer a sabedoria do IFA (a revelação): a Criação do Universo e dos
seres humanos, os princípios que regulam as relações entre Ilú Aiyé (a Terra) o Orún (mundo
espiritual) e o conhecimento dos Òrìsa, divindades partícipes da Criação e intermediárias entre
Deus (Olodumárè) e os homens.
Desenvolveram-se rituais iniciáticos para os mistérios dos Òrìsà, como forma de realizar o sagrado
em si mesmo, ou seja, permitir que o Deus Interior, na figura de um ancestral divino, desperte em
cada indivíduo e estabeleça a ponte com o Cosmos, tão necessária à realização pessoal, tornando-
o assim capaz de fazer escolhas mais acertadas e consequentes em relação à vida e aos
semelhantes, na construção da própria felicidade.
A compreensão clara de que destino é possibilidade e não fatalidade é a base dessa realização. O
conhecimento das forças que regem o Universo e a Vida nas suas mais variadas formas e meios
de manifestação, bem como dos princípios que regulam essa interação é o caminho da Iniciação.
Formação espiritual do iniciado
Degraus da Iniciação
A formação espiritual do iniciado nos mistérios do Òrìsà na verdade é contínua, começando no
momento em que a pessoa abraça a religião e terminando com a sua morte.
O Candomblé possui enorme cabedal de informações que são transmitidas oralmente, o que
dificulta bastante seu aprendizado. Não existem demarcações claras entre um ponto e outro a ser
assimilado, despendendo o iniciado bastante tempo e raciocínio para recompor os ensinamentos
que lhe chegam fragmentada e desordenadamente.
A título de sugestão, fica aqui um roteiro básico, o qual pode ser útil para possibilitar uma trajetória
mais tranquila e harmoniosa pelo postulante nos caminhos da iniciação.
1º Ano da Iniciação : conhecer as raízes do seu Ase; aprender canto e dança rituais; conhecer as
divisões hierárquicas e os Espaços Sagrados da sua própria Casa de Ase.
2° Ano da Iniciação : aprimorar canto e dança; aumentar conhecimentos dos diferentes Òrìsà
cultuados pela Família e pela Casa; culinária ritualística.
3° Ano da Iniciação : aprimorar canto e dança; aprimorar conhecimento dos Òrìsà, especialmente
histórias e lendas (literatura do Ifa); aprimorar cozinha ritual e oferendas votivas.
4° Ano da Iniciação : os itens do ano anterior, acrescentando-se aprofundamento nas cerimônias
públicas e trato com os Òrìsà manifestados.
5° Ano da Iniciação : Incluir aspectos ligados aos Quartos Sagrados e Igba-Òrìsà (assentamentos).
6° Ano da Iniciação : incluir aprofundamento no conhecimento de ervas litúrgicas e medicinais e o
uso delas no Candomblé.
7° Ano da Iniciação : assuntos dos anos anteriores, acrescentando-se a confecção e manuseio dos
apetrechos e materiais sagrados utilizados no Quarto de Òrìsà.
8° Ano da Iniciação em diante : aqui os destinos se dividem. Os Egbon que receberam Oye (cargo
dignatário) terão tarefas específicas a aprender e executar; aqueles poucos destinados a fundar
novas Casas de Ase deverão rever todo o conhecimento adquirido, acrescentando-se o destinado
aos Oloye e os mistérios da Iniciação, Renovações (obrigações) e Asese (ritos funerários).
Importante ter em mente que estudo e dedicação são imprescindíveis a partir do momento da
iniciação, sendo mais necessário adotar-se uma postura real de busca e aprendizado do
conhecimento religioso, do que propriamente um roteiro para fazê-lo.
(texto de autoria Sergio de Ajunssun)