
COSTUMES E TRADIÇÕES
Verificamos uma grande semelhança entre os costumes tradicionais dos iorubá - independente de
religião, e os rituais nas cerimônias dos candomblés de Ketu, no Brasil. Não pretendemos, nem
sequer podemos, discutir fundamentos. Queremos apenas mostrar pontos comuns entre os
antigos hábitos dos povos que formavam o grupo iorubá e o comportamento atual dos adeptos da
religião trazida para o Brasil. Acreditamos em uma adaptação dos costumes para propiciar a
aplicação dos fundamentos.
Cuide de suas maneiras
Cuide de suas maneiras, meu amigo!
A honra pode abandonar nossa casa,
e a beleza, às vezes, acaba.
O rico de hoje pode ser o pobre de amanhã.
A honra é como o mar,
e também a onda da riqueza;
ambas podem escapar de nossa casa.
Mas as boas maneiras acompanham-nos
até ao túmulo.
O dinheiro não é nada,
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As boas maneiras é que são
a beleza da humanidade.
Se você tem dinheiro, mas não se comporta bem,
quem irá confiar em você?
Ou, se você é uma mulher muito linda,
mas não se comporta de maneira adequada,
quem desejará tê-la como esposa?
Ou, ainda, se você é muito educado,
mas engana as pessoas,
quem confiará em você para negócios?
Cuide de suas maneiras, meu amigo.
Sem bons modos, a educação não tem valor.
Todos amam uma pessoa que sabe se comportar.
Esta poesia iorubá retrata bem os costumes e a importância que o povo dá à educação e à honra.
TOJÚ ÌWÀ RE
Tojú ìwà re, ore mi!
Olá a ma si lo n"ilé eni,
Ewà a sì ma sì l"ára enia,
Olówó òní "ndi olòsì b"ó d"ola
Òkun l"ola, òkun nìgbì oro,
Gbogbo won l"ó "nsí lo nílé eni;
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Sùgbon ìwà ni "mbá"ni dé sàree,
Owo kò je nkan fún "ni,
Ìwà l"ewà l"omo enia.
Bí o l"ówó bí o kò ní "wà "nko,
Tani je f"inú tán o bá ""ohun rere?
Tàbí bí o sì "e obìrin rogbodo,
Bí o bá jìnà sí "wa tí edá "nfe,
Taní je fe a s"ílé bí aya?
Tàbí bi o je oníjìbìtì enia,
Bí a tile mo ìwé àmodájú,
Taní je gbé "se aje fún o se?
Tojú ìwà re, "ore mi,
Ìwà kò sí, eko d"ègbé,
Gbogbo aiye ni "nfe "ni t"ó je rere.
A importância dada ao bom caráter (ìwà pele)
Ìwà é o que caracteriza uma pessoa sob o ponto de vista ético. Para ser feliz uma pessoa deve ter
ìwà pele, pois quem tem bom caráter não entra em choque com os seres humanos nem com os
poderes sobrenaturais. Esse é o mais importante dos valores morais iorubá, e a essência da fé
consiste em cultivá-lo.
A lenda de Ìwà é relatada na literatura de Ifá.
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Ìwà era uma mulher de rara beleza com quem Orúnmílà se casou, após ela ter se separado de
diversos outros deuses.
Apesar de sua beleza, Ìwà tinha maus costumes e falava demais, sendo ainda preguiçosa e
irresponsável.
Depois de algum tempo de casados, Orunmila, não podendo suportar o mau comportamento de
sua esposa, mandou-a embora.
Entretanto, quando Ìwà partiu, Orúnmílà percebeu que não podia viver sem ela. Perdeu o respeito
dos vizinhos, sua prática divinatória perdeu o valor, seus clientes se afastaram, ficou sem dinheiro,
enfim perdeu tudo e foi desprezado por todos.
Tentando achar uma solução, vestiu-se de Egúngún e saiu por aí, à procura de Ìwà. Foi à casa dos
16 odu de Ifá à procura da esposa, cantando na porta de cada um:
"Grande Sacerdote de Ifá de Ajeró,
Adivinho de Ajeró,
Onde você vir Ìwà, diga-me.
É Ìwà, Ìwà que estou procurando.
Se você tem dinheiro, mas não tem Ìwà,
O dinheiro não é seu;
Ìwà é a pessoa que eu procuro.
Se alguém tem filhos, mas não tem Ìwà,
As crianças pertencem a outra pessoa;
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Ìwà, Ìwà é quem nós procuramos...
Se temos uma casa, mas não temos Ìwà,
A casa não é nossa, é de outra pessoa.
Ìwà, Ìwà é o que procuramos.
Se você tem roupas, mas tem falta de Ìwà,
As roupas pertencem a outra pessoa.
Ìwà, Ìwà é o que procuramos.
Todas as boas coisas da vida que um homem possui,
Se ele perder Ìwà, elas passam a pertencer a outra pessoa.
Ìwà, é o que estamos à procura!"
(Ogbon inú, awo Alárá;
Dífá fún Alárá, Èjí Osá,
Omo Amúrin kàn dogbon agogo.
Ìmoràn, awo Ajerò, Difá fun Ajerò,
Omo ògbójú koroo jà jále.
Níbo ló gbé ríwà fún un o,
Ìwà, Ìwà là n'wá o, Ìwà.
Ó nó bó o lówó, tóò níwà,
Owo olówó ni.
Ìwà, Ìwà là n'wá o, Ìwà.
Omo la bí,
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Tá à níwà, Omo olomo ni.
Ìwà, Ìwà là n'wá o, Ìwà.
Bá a nílé, tá à níwà,
Ilé omílé ni.
Ìwà, Ìwà là n'wá o, Ìwà.
Bá a láso,tá à níwà
Aso, aláso ni.
Ìwà, Ìwà là n'wá o, Ìwà.
Ire gbogbo tá a ni,
Tá à níwà.)
Depois de grande procura Orunmila achou Ìwà casada com Olójo. Quando cantou na porta de Olójo,
este foi à porta recebê-lo e recusou-se a devolvê-la. Então eles começaram a brigar. Orúnmilá bateu
em Olójo com a perna de uma cabra que havia sacrificado antes de sair de casa. O impacto atirou
Olójo a muitas milhas de distância, e Ìwà foi levada de volta para sua casa.
Ao analisar a lenda vemos as várias razões da importância dada a Ìwà.
Primeiro é importante que o bom caráter seja simbolizado por uma mulher. No folclore iorubá as
mulheres representam os dois extremos - amor, cuidado, devoção e beleza, versus fraqueza,
deslealdade e falsidade. Só as mulheres podem simbolizar essa dualidade, de acordo com o
conceito iorubá.
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A lenda mostra ainda que o homem deve cuidar de seu caráter tão bem como cuida de sua esposa.
Da mesma forma que manter a esposa é obrigação do marido, o bom caráter deve ser uma
obrigação para os que têm fé e querem viver de forma correta.
As mulheres são consideradas bruxas e podem até ser mentirosas, mas os iorubá crêem que a
sociedade não pode sobreviver sem elas. Da mesma forma, pode ser difícil ter bom caráter, mas
não se pode ser feliz sem ele.
Ìwà foi uma mulher que perdeu os bons hábitos. Significa que o homem que quer ter bom caráter
deve estar preparado para encarar egbin - coisa suja - e passar por algumas situações
desagradáveis, que podem ofender sua dignidade e decência. Mesmo assim não deve se desviar
do bom caminho, para não perder a essência e o valor de sua vida.
Os versos equiparam Ìwà aos bens materiais que os homens almejam: dinheiro, filhos, casa e
roupas. Um homem que tem bens materiais, mas não tem caráter, provavelmente irá perder tudo
para uma pessoa de caráter, que saberá melhor tomar conta desses bens. Ìwà é o atributo de
maior valor entre todos, no sistema iorubá.
Vemos que o costume dos zeladores de santo, de transmitir ensinamentos através de lendas
(itans) em que os Orixás se comportam como pessoas comuns, com seus
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defeitos e fraquezas, é também uma herança da cultura tradicional iorubá.